24 fevereiro 2011

Minha linda Olinda

Minha avó morreu na última terça-feira, dia 22. Talvez, para alguns, um fato como este não signifique muita coisa. Para mim, significou, já que há muito tempo não perdia alguém que eu amava de verdade. Perdi meus dois avôs cedo, restando apenas as representantes femininas desta parte da família como referência. Uma, mãe da minha mãe, mora numa cidade do interior. A outra, mãe do meu pai, sempre morou mais perto – nos últimos anos, muito perto, na mesma rua que meus pais. E foi esta que se foi.

Muito por causa desta proximidade geográfica, acabei participando de muitas coisas da vida desta minha avó. Estive com ela nos últimos anos em diversos momentos, bons e difíceis. Levei-a diversas vezes ao médico e ao hospital. Visitei todas as vezes que ela ficou internada. Fui a todos os seus aniversários, sagradamente sempre comemorados com um bolinho e diversos salgadinhos no dia 28 de dezembro. Almocei em sua casa. Fui lá comer pizza e bater papo. Tá bom, não com a frequência que talvez ela gostasse, mas fui, e foram momentos ótimos, que guardarei para sempre.

Dona Olinda era uma ótima pessoa, mas tinha uma personalidade muito forte. Para ter uma idéia, nos últimos anos, demitiu quase uma dezena de empregadas que meu pai e meu tio contrataram para ajudá-la. Mesmo com mais de 80 anos, morava sozinha e fazia de tudo em sua casa. Dizia que podia dar conta do recado, que não precisava de ninguém mexendo nas coisas dela ou dando ordens para ela. Apesar disso, a cada duas ou três horas, ligava para o meu pai ou para o meu tio pedindo algo. Uma independência dependente de seus filhos, que a amaram muito e fizeram de tudo por ela.

Lembro que quando eu era pequeno, ela morava num apartamento junto com meu avô. Um apartamento todo arrumadinho, onde sempre tinha bala num pote sobre a mesinha de centro. Aliás, bala nunca faltou na casa da minha avó. Nos aniversários dela ou do meu vô, sempre tinha bolo, festa, comemoração. Dona Olinda tinha uma mão maravilhosa para cozinhar. Fazia gnocchi e capelletti na mão, um por um. O que eu mais amava era um bolinho de batata recheado com carne. Meu Deus! Que coisa maravilhosa, só de lembrar consigo sentir o sabor na boca e a saliva surge…

No meu casamento, ela estava lá. Toda linda. Com 87 anos de idade, fez até prova de maquiagem e cabelo. Isso porque era só um almoço. Ela estava feliz, muito feliz. Comeu muito, deu risada, nem sentiu a tal da dor na cabeça que a assombrava ha anos e tirava seu sossego. Tenho algumas fotos dela neste dia irradiante. Até revelamos uma e demos para ela, num porta-retrato, que até ontem estava sobre a sua mesinha na sala.

Ela adorava conversar. Eu ficava ali, ouvindo suas historias enquanto ela falava do passado, contava do meu pai, dos meus tios, do meu avô. E eu sempre ouvia, perguntava. Era o que ela queria, alguém para bater papo. Ela odiava que eu mexesse no seu cabelo. E eu, para azucrinar, mexia. Bagunçava tudo, e as vezes ela ficava brava. No fundo, acho que ela gostava da minha pentelhação. Nos últimos anos, a beijava sempre e dizia que a amava, toda vez que eu ia embora. E ela sempre dizendo que rezava por mim… Coisa boa.

Mas Dona Olinda se foi nesta terça. E como não acredito em coincidências, sei que ela sabia que iria. Quando a vi na última sexta-feira no hospital, ela repetiu diversas vezes que iria embora do hospital na terça-feira. Meu pai e meu tio a corrigiam, dizendo que seria quarta ou quinta, que era o prazo que o médico tinha dado realmente. E ela repetia: "eu vou embora na terça". E ela realmente se foi na terça...

Agora ela deve estar lá com o meu avô, o Seu Aldo, um filho de italiano que adorava o Palmeiras e tinha uma mão maravilhosa para fazer artesanato (assim como meu pai). Ela sentia saudade do meu avô. Sempre falava dele com muito carinho. Dava para ver e sentir a falta que ele fazia para ela. Também pudera, ela passou a vida inteira ao seu lado.

Sentirei falta da sua voz, da sua comida, da sua companhia. Até do grito de “Alo!” que ela dava no telefone, já que não escutava tão bem assim nos últimos anos. A conversa sempre era em alto e bom som (e estou falando literalmente desta vez).

Dona Olinda foi e ficou um pequeno buraco, mas também uma certeza de que ela está em um lugar bem melhor, sem dores e feliz, ao lado do homem da vida dela, olhando por todos nós. Como disse uma amiga minha, a tristeza naturalmente vai passar. Naturalmente. E o que fica são as boas lembranças e a saudade.

E eu aqui, a quilômetros e quilômetros de distância de todos estes acontecimentos, acompanhando tudo por telefone e Voip, triste mas com a certeza de que, no fim, o que sobra são apenas as experiências que vivemos, boas e ruins, e estas ninguém pode por a mão. São minhas, só minhas e de mais ninguém, guardadas a sete chaves nesta cabeça e neste coração. Isso talvez seja o que costumamos chamar de vida. E a minha teve esta participação mais do que especial.

Bom descanso, minha linda Olinda. Você merece.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Que linda história. Eu não conheci a tua avó, mas chego a conseguir imaginar esses momentos que vc descreveu, talvez porque eu tb tenha uma relação muito próxima com a "minha linda Ana".
Eu costumo dizer que o melhor de ter saudade é que a gente tem certeza que viveu intensamente e esteve com gente especial no caminho. Tenho certeza que essa saudade que vc sente e vai continuar sentindo vai sempre te encher de o-lindas memórias.

6:24 PM  
Blogger Aline Bianca said...

Uau!
Senti uma falta tremenda de todas as minhas historias com a minha vozinha tbém. Lágrimas vieram aos olhos que tive que conter, pq estou no trabalho!
Essa luz vai brilhar muito e cuidar de vc po muitos anos!
Ótimo texto,e tenho certeza que vc queria escrever mais e mais!
Beijos.

5:01 PM  

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